Relativamente à vivência no Bairro Chinês, os nossos entrevistados têm referido que, apesar da falta de condições básicas de vida, o Bairro sempre foi um lugar de convívio, familiaridade, união, confiança e segurança. Foi isso mesmo que nos testemunhou Sofia Resende, antiga moradora daquele bairro.
Saudades do Bairro Chinês! Eu lembro-me da minha mãe ir a algum lado e pedir à vizinha do lado, “os meus filhos ficam cá em casa, se for preciso dás um olhinho?” E eles davam esse olhinho na minha barraca.
Íamos também muitas vezes a casa de amigos, “ó mãe, olha, vou até ali à casa da Carla”, ou “lá em cima a casa da Sandra”. Aquilo como era tudo família, nós podíamos andar de um lado para o outro.
Quando pedíamos ao médico para ir lá a casa ver o meu pai que estava doente por alguma razão, aquilo era muito engraçado, porque o médico via-se grego para encontrar o meu pai. Porque por onde passasse e perguntasse onde é que morava o meu pai, ninguém conhecia o meu pai, ninguém sabia onde é que era a barraca… Então o médico tinha sempre que dizer quando ia lá, “olhe que eu sou o médico” (…), tinha que mostrar um cartãozinho. Então aí, sim, senhora, eles conheciam, diziam então onde é que morava o meu pai para irem então ver, “ah esse mora ali na esquina”.
Eles diziam que não conheciam o meu pai, porque nós no bairro protegíamos-nos muito uns aos outros e estávamos sempre com receio que fosse alguém ou para fazer mal ou para pedir satisfações.
Tenho outro caso, quando o meu irmão foi atropelado, a polícia foi lá ao Bairro Chinês para tentar falar com o meu pai e dizer o que se tinha passado com o meu irmão. Naquela altura não havia telemóveis, não havia nada disso e só pelo facto de ser um polícia a perguntar, ninguém conhecia o meu pai, toda a gente protegia o meu pai, com receio que fossem prendê-lo ou fazer-lhe qualquer coisa. (…) Depois uma senhora é que comentou com a minha mãe a dizer que andava aí a polícia à procura do meu pai, o que é que o meu pai tinha feito, e a minha mãe: “O meu marido não fez nada!” Falou com o meu pai e foram os dois então à polícia a ver o que é que se passava, foi quando descobriram que o meu irmão tinha sido atropelado e estava no hospital… mas era aquela cumplicidade que nós tínhamos uns com os outros, era sempre para nos protegermos ao máximo uns aos outros.