O futebol era uma atividade muito importante para a comunidade do Beato e Marvila. Este desporto trazia àqueles bairros muita diversão e alegria. O gosto pelo futebol e o convívio faziam com que muita gente assistisse aos jogos locais. Mas, nem todos iam ao campo assistir, alguns ficavam junto aos pombais e obtinham a informações sobre o jogo através dos pombos-correio.
Olhe, um dia de jogo no Oriental aqui no bairro, agora nem tanto, mas naquele tempo, digo-lhe mais, era uma coisa impressionante. O meu falecido pai levava-me para o campo com 4 anos. Levávamos uma bucha, um bocadinho de pão para depois comermos um lanchito (…) As pessoas, aquilo era um frenesim, não é que fossem mais Oriental que nós agora somos, mas era uma vivência diferente, era uma vivência diferente. Por exemplo, agora o Oriental, se jogar uma equipa grande, Sporting ou Benfica em casa, a gente nota na assistência que as pessoas não vão, vão ver o Sporting ou o Benfica, mesmo Orientalistas, sócios do Oriental. Naquele tempo não, naquele tempo, tanto jogasse o Benfica como o Sporting, como não sei o quê, iam sempre ver o Oriental.
Havia lá um caso curioso que eu nunca mais me esqueço, que a gente chamava-lhe, coitada da velhota, uma senhora que era “a maneta”, ela não tinha um braço, e então ela, antes de começar o jogo ia ao campo, ao centro do campo, ajoelhava-se e rezava para que o Oriental ganhasse. Aquilo era um ritual que se repetia em todos os jogos.
E havia outra situação que era muito curiosa, naquela altura os aviões, a rota dos aviões não era no sentido que é agora, era no sentido de quem vem da outra banda para cá, e então passavam por cima do campo do Oriental, e havia um voo que era àquela hora que passava. Então quando o avião passava dava sorte, “lá vem o avião, lá vem”, se o avião não vinha era um problema… porque dava sorte para o Oriental ganhar. Era este ritual assim.
Naquele tempo não havia relatos, não havia televisão, não havia nada e então as pessoas era assim: um tio meu tinha um pombal, com pombos correio, e então (…) as pessoas, ficavam junto ao pombal, as que não iam aos jogos, e o meu tio levava os pombos para cima, depois estava a dar o jogo, o Oriental marcava um golo e ele pegava num papelinho na anilha do pombo-correio, daqueles pombos que regressam ao pombal, metia a anilha e o pombo lá vinha. Isto a gente estava no Beato e aquilo era em Marvila, o pombo demorava (…) porque os pombos normalmente para irem para o pombal, não vêm diretos , andam a rodar para se orientar e demoravam algum tempo. Outras vezes até mesmo para entrar, se estiver muita gente junto do pombal, o pombo não entra, assusta-se. Então a gente tinha que se afastar, e era curioso que às vezes chegávamos, “olha o Oriental estava a ganhar 1-0”, e afinal já não estava, ou já estava a empatar, ou já estava a ganhar mais, porque já vinha atrasado… A comunicação naquele tempo era assim.