
O Sr. Amílcar Mota nasceu em Braga em 1962 e veio para Lisboa em 1965 com os pais e os nove irmãos. A família veio viver para a Quinta do Ourives para uma barraca que se encontrava devoluta. Em criança, o Sr. Amílcar Mota andava habitualmente descalço e, por isso, tinha os pés de tal modo deformados que nem os sapatos lhe serviam, nem os vidros lhes cortavam os pés. Só na escola e na igreja é que era obrigatório estar calçado, por isso, o Sr. Amílcar teve que arranjar uns chinelos com fivela. O nosso entrevistado contou-nos que não se sentia infeliz, o que ele sentia é que era descriminado pela sua condição social. No entanto, e às vezes conseguia ir ao cinema e comer bolos. Este excerto retirado da sua entrevista salienta a situação em que, como o Sr. Amílcar, viviam então muitas crianças da sua idade.
De calção andava a maioria do pessoal. Depois na escola “Ah, não se pode entrar”, eu tinha que arranjar tipo umas chinelas, usavam-se uns chinelos que hoje ainda se usam, em que se atava uma fivela. Aquilo vendia-se e eu consegui arranjar uns para entrar na escola, porque senão não me deixavam entrar, era a única hipótese. Era na escola e era na igreja, tinha que se ter alguma coisa calçada. Mas eu normalmente andava sempre descalço, tanto que os sapatos nem me serviam, eu estava tão habituado a andar descalço que os meus pés tinham um formato que já nem os vidros me cortavam os pés. Mas isso era muito habitual naquele tempo.
Amílcar Mota
Fotografia: CML/Videoteca